Encontro em Jesus atrás da bananeira

Do retiro no tonel de vinho onde se purifica emocionalmente e foge da pandemia, o poeta maldito, António Paixão, não permanece inativo. Ele acabou de nos enviar o conto abaixo. Apreciem.

Seu nome era Dileuse da Silva. Ela nasceu em Tanabi, mas logo se transferiu para São José do Rio Preto, a 435 quilômetros da Capital do Estado, a maior e a cidade mais próspera da região noroeste. Sua mãe, Dona Odete, havia conseguido ali um emprego na rede municipal de saúde e o pai, o Seu Aparecido de tal, não obstante o nome, havia sumido há tempos, sem que a filha o tivesse conhecido. Didi, como era seu apelido, não era uma criança atraente, apesar da personalidade vivaz e curiosa. Ela tinha as ancas desproporcionais, pelo maior tamanho, com o resto do corpo. Como diziam os seus irreverentes colegas do Grupo Escolar Ezequiel Ramos, ela era a perfeita Raimunda: feia de cara e boa de bunda.
Dona Odete era uma fiel evangélica e frequentava, sempre com Didi, os cultos dominicais na Igreja Evangélica do Absoluto Poder de Jesus, cujos bispos eram acessíveis, sorridentes e simpáticos, à maneira de experientes estelionatários. Apesar de cobrarem religiosamente o dízimo, exigiam poucos presentes dos fiéis. As bispas absolutistas, ao contrário daquelas de outras denominações, não pediam aos abnegados fiéis sapatos Louboutin, bolsas Gucci, perfumes Chanel, calças Burberry ou calcinhas da Victoria’s Secret. Mimos comprados nas Lojas Marisa ou na Havan eram bem aceitos, com juras de eternas recompensas celestiais. Cedo, Didi já tinha o próprio exemplar da Bíblia e aprendeu a recitar de memória versículos para todas as ocasiões, fosse para se referir à chuva torrencial, ao inclemente calor, à alegria ou à tristeza.

Sua professora no Grupo Escolar era a Dona Dadá, uma elegante senhora casada com o titular do cartório de notas e sem filhos, devido à esterilidade do marido, causada por uma circunstância venérea adquirida na zona do meretrício na Vila Esplanada, da qual havia ele sido um entusiasmado frequentador e generoso patrono. As aulas começavam logo às 7:30 horas, quando os estudantes se alinhavam em assembleia no pátio da escola para cantar o hino nacional e também presenciar o hasteamento da bandeira do Brasil. Ao meio dia, vinha servida uma merenda, consistente numa sopa de feijão com macarrão, um arroz com carne picadinha, um macarrão com salsicha, uma canja de galinha com arroz ou algo equivalente. A sobremesa era uma banana ou uma laranja. Didi gostava da sopa de feijão. Tomava dois pratos e ainda almoçava tudo em casa, minutos após.

Durante as assembleias, os colegas do sexo masculino brincavam de passar a mão na sua bunda, sem que ela pudesse ver e identificar o autor da agressão. Nestas tristes ocasiões, Didi sempre dizia “está amarrado, em nome de Jesus”, referindo-se naturalmente ao Diabo. Quando ela se transferiu para a escola de segundo grau, o Instituto de Educação Estadual Monsenhor Gonçalves, também no bairro da Boa Vista, aumentou o interesse dos rapazes e se intensificaram os assédios, os acossamentos e, tristemente, as agressões.

Ao mesmo tempo, explodiam os hormônios e Didi passou a se interessar pelos meninos. Como era espirituosa e desinibida, fazia amizades facilmente com os rapazes, que se aproveitavam para boliná-la nos peitos e na bunda. Durante as sessões de cinema, era Didi disputada como companhia, pois no escuro sepulcral do Cine Rio Preto, as carícias íntimas passavam despercebidas. E foi numa destas ocasiões que o Horácio a convidou para ir em sua companhia ao mictório durante a exibição de um filme do Mazzaropi, “O Jeca e a Égua Milagrosa”.

Ali, no ambiente perfumado pela naftalina, enquanto a audiência caia em gargalhadas, o Horácio caiu de boca na Didi e lhe deu o pitoco, apenas um mero cotó, para ser masturbado. Em seguida, o rapaz mandou que Didi se apoiasse na pia e a penetrou por trás, no ânus. Pobre Horácio, sua experiência sexual se resumia a um ocasional troca-troca com outros rapazes e desconhecia o sexo vaginal. Didi adorou a experiência, tendo gozado ali mesmo no banheiro. Ele também. A relação nada doeu, devido às dimensões reduzidas do membro de Horácio e ao furor anal de Didi.

Apenas saídos da aventura na casa de banhos, Horácio pôs-se a dizer a quem quisesse ouvir “Acabei de comer o cu da Didi. Foi ali mesmo, no banheiro. Que bunda”. Ora, tal notícia irradiou-se porque não era normal nem costumeiro naqueles tempos a prática de tais atos libidinosos pelas jovens adolescentes. Ademais, disseminou-se a inveja e aumentou o assédio à Didi, de um lado, e, de outro, os cortejos mais diplomáticos e maneirosos, da parte dos rapazes mais habilidosos.

De seu lado, Didi também queria ardentemente dar a bunda. Ela se queimava de paixão e não conseguia controlar os espasmos anais em seus sonhos e mesmo nos devaneios. Seu orifício piscava incontrolavelmente. A garota sabia que teria que permanecer virgem vaginal, não apenas para evitar uma gravidez indesejada, mas para não prejudicar suas possibilidades de se casar na igreja. Todavia, Didi não podia se valer das sessões de cinema, aos domingos. Seus encontros eróticos nem sempre eram possíveis e, agora que a situação era pública e a reputação comprometida, a guria temia passar por situações constrangedoras no mictório. Quanto ao pau, qualquer um de seus conhecidos poderia fornecer. Todos estavam interessados.

E foi assim que Didi teve a brilhante ideia de convidar um rapaz de cada vez para estudar em sua casa, nos períodos da tarde, enquanto sua mãe estava na repartição pública municipal. Temerosa de ser flagrada dentro de casa, Didi levava os seus jovens colegas e amantes para o quintal, na parte dos fundos, onde havia um modesto pomar com duas jabuticabeiras e duas pitangueiras, rodeadas por viçosas e verdejantes bananeiras. E ali, no meio das bananeiras, apoiada nos ramos baixos da pitangueira, Didi se deliciava dando o cu.

Todos os seus amigos tinham os mesmos instrumentos pequenos de Horácio, o que evitava traumas em Didi. Um dia, porém, foi-lhe apresentado um rapaz de nome José “Canguçu Aroeira”. Como é sabido, aquela região, no passado não muito remoto, foi habitada por tribos nativas de língua tupi-guarani e muitos léxicos deste idioma foram incorporados à fala cabocla. “Canguçu” significa cabeça grande. Pois bem, atrás da bananeira, Didi descobriu o porquê do apelido. O José “Canguçu Aroeira” era dotado de uma, tanto rija, quanto enorme, tora, com uma cabeça roxa, à semelhança e nas dimensões de um jambo.

Acostumado a enrabar, Canguçu passou óleo de amendoim “A Dona”, fabricado ali mesmo em Rio Preto pela Swift, em seu caralho e no rabo de Didi, muito meticulosa e cuidadosamente. Quando foi penetrada, Didi soltou um sonoro peido, cagou-se toda, e aflita pela dor intensa gritou: “Ai, Jesus”. Naquele exato momento, com a merda a lhe escorrer pernas abaixo, adentrava Dona Odete à residência e ouviu o berro. “O quê houve, minha filha?”, perguntou alarmada a mãe. Didi, assustadíssima, mandou Canguçu subir na pitangueira, limpou-se com a calcinha cor de rosa, deixada depois escondida na goiabeira, e adentrou a residência pela parte de trás, onde ficava a cozinha.

“O que houve, minha filha?”, perguntou-lhe novamente a mãe, ainda trépida e espavorida.
Com o mais expressivo semblante da infinita e profunda piedade evangélica, e já serena, fria e calculista, Didi respondeu: “Eu vi Jesus atrás da bananeira…”
“Aleluia, minha filha”, disse-lhe a mãe em alta voz, olhando para o teto da cozinha, à espera, tristemente em vão, de ter a mesma experiência divina.