O bom velhinho responde ao poeta

Vejam a resposta do velhinho Noel:

Chovia copiosamente em São Paulo. As grossas gotas da quente chuva de verão explodiam sonoramente no batido trottoir do Bixiga, como o ritmo filarmônico da bateria da Escola de Samba Gaviões da Fiel, naquela entorpecida tarde pandêmica. Foi quando chegou à minha maloca o dedicado e valoroso funcionário dos correios, vestido de amarelo honesto, com uma carta endereçada para mim. Curioso, porque hoje em dia quase toda a comunicação é feita por Whatsapp ou correios eletrônicos, abri rapidamente o envelope e, dentro dele, me deparei com uma missiva que exalava o pronunciado fedor de estrume bovino (ou seria de renas?). Para minha completa estupefação, a carta era de Papai Noel, em próprio punho, e tinha o seguinte teor:

“Polo Norte, 23 de dezembro de 2020.

Caro Poeta,

Acuso e agradeço o recebimento de sua mal-educada carta de 16 de dezembro de 2020. Devo lhe dizer, Poeta, que por conta da pandemia do vírus COVID-10, estou em total isolamento na minha residência invernal. Desta maneira, e infelizmente, não poderei atender a nenhum pedido neste Natal, nem mesmo ao seu, por mais justo e razoável que seja.
Espero poder retomar minhas normais atividades em 2021, quando poderemos voltar a nos comunicar.
No ínterim, estou lhe enviando uma rosquinha virtual, para que Você possa se entreter provisoriamente.

Atenciosamente,
Papai Noel.

Post scriptum: Comporte-se melhor em 2021!!!!!”.

Mais do que surpreso, fiquei logo desapontado porque o meu pedido de #FORABOLSONARO atende aos melhores interesses, ao bem-estar social e à prosperidade econômica do povo brasileiro. Devido à resposta negativa ao meu pleito, deveremos nos imbuir de força e coragem para enfrentar o ano de 2021. Isso porque teremos dezenas de milhões de brasileiros vivendo abaixo do nível de pobreza, perambulando famintos pelos morros, ruas e avenidas das grandes cidades em esqualidez abjeta, no meio de uma grave pandemia; com nossas florestas a ser sistematicamente destruídas; com os banqueiros e rentistas se locupletando da pilhagem do Erário; com o País isolado na comunidade internacional; com a prevalência das trevas em nosso desgoverno federal; e com os abastados pastores evangélicos a entoar fervorosos hinos a Mamon, tudo com o beneplácito do Capetão.
Assim, eu não posso, como gostaria de tê-lo feito, de festejar o atendimento de meu modesto e solidário pedido com uma citação de Ovídio (43 aC-18dC), o grande poeta boêmio romano, amante do vinho e da verdade. Foi Ovídio o inspirador de Dante, dentre muitos outros, e paradigma da literatura clássica, quem escreveu, no poema 37 de Odes, em que celebra a morte do Monstro: “nunc est bibendum, nunc pede libero pulsanda…”
Para o benefício de minhas infiéis leitoras de Hades City, tanto arrogantes quanto ignorantes, uma combinação do Averno, gostaria de oferecer uma tradução de Ovídio em linguajar dialetal Caipira. Isso porque fui informado que elas me acompanham em segrego, escondidas dos maridos, noivos, ficantes e amantes, de quem ocultam escabrosos pecados, ainda maiores. Mas, principalmente, estas minhas infiéis leitoras escondem os meus textos das funcionárias domésticas que, graças ao Capetão, não podem mais andar de avião, comer carne, ter atendimento médico, mandar filhos e filhas para a universidade e ir passear em Miami. Que horror!
Hades City é o novo nome de Oiti, uma árvore nativa brasileira também conhecida por Oiti Cagão, uma denominação claramente prosaica, vulgar e banal para designar uma pujante cidade bolsonarista, onde o ódio de classes se equiparou àquele professado pelos nazistas. Numa seleção levada a efeito pelas redes sociais, um diabrete enviado pelo Averno, com alcunha de Dudu Cabeça de Anta, sugeriu Hades City, nome prontamente acolhido por uma socialite sertaneja e aprovado por aclamação pelos fascistas e seus robôs, porque chique e a fazer rima com Gucci.
Pois bem, vejam, leiam e aplaudam a seguir o grande Ovídio, na minha pioneira tradução livre em Caipira, texto que eu reservo para utilizar no próximo ano: (prrá mó di vivê), “agorra é prrá bebê i prrá dansá…”